quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O ultimo desejo


Havia um rapaz em pé encostado na parede. Formando um "4" com as pernas e com as mãos nos bolsos da calça jeans. Sorridente, com a cabeça erguida e os olhos cerrados. Desfrutando de uma paz interior jamais, antes, sentida. Feliz, como se não tivesse sido a anos. Alegre, contente. Não havia adjetivos suficientes que descrevessem o que aquele homem parecia estar sentido. Livre.

Qualquer pessoa que o visse diria que aquele era o homem mais feliz do mundo. Que tinha a melhor vida e o melhor emprego. Que era rico. Que tinha a melhor família ou melhor estilo de vida. Que não tinha problemas, dúvidas, ressentimentos, mágoas, angústias. Nem quaisquer sentimentos negativos.

A tempos ele estava ali. Nada ao redor parecia afetá-lo. Na verdade, nada parecia existir em seu mundo.

Algum tempo depois, abaixou a cabeça. Tirou uma caneta e uma caderneta dos bolsos. Escreveu diversas linhas. Os guardou. Foi até o campo que havia do lado da cidade, deitou-se na grama. E, novamente, fechou os olhos. Mas dessa vez, aquela havia sido a ultima em que fez isso. Nunca mais tornou a abri-los.


Quando seu corpo foi encontrado junto com a caderneta aberta. Logo pensaram que havia sido suicídio. Até constarem o que estava escrito...

"- Quem diria em Deus? Tantos anos perdi, e, apesar de la no fundo saber que ainda restava esperança, hoje percebo que foi em vão. Morrerei sem conhecer o prazer de um beijo. Tanta sede eu tinha e tive, e ninguém se arriscara a dar um copo de aguá. Ninguém que eu, realmente, queria. Hoje rio do seu sarcasmo. Da sua ironia. Em ter me feito acreditar que algum dia eu ganharia. É incrível essa sensação. Não posso reclamar, pois morrer com esta emoção é mais do que eu já cheguei a desejar. Rindo. Da sua e da minha ironia. Do meu sarcasmo. Da minha desgraça e da minha graça. Como se a vida não valesse nada, e, justo hoje, valesse tudo. Quando você anunciou que eu retornaria para perto de ti, através daquele exame. Daquele anjo branco que explicava e tudo que eu entendia era... "Só hoje", "Você só irá viver até hoje", "Não a cura ou tratamento", "Só hoje", "Ultimo dia de sua vida". Desde aquela hora, eu estava dando risada. Acreditando e desacreditando. Mas então eu decidi, que seja em quem fosse, eu iria matar essa sede. Fui para rua mas não via ninguém, e só ouvia o barulho do pêndulo de um relógio. "Click-Clock" "Click-Clock". Dentro da minha cabeça. Olhei pro céu, cerrei meus olhos e lembrei de uma frase que haviam me dito... "Um escritor só descreve bem uma sensação, uma emoção, que ele mesmo já viveu." Depois, disse a mim mesmo. "Vou provar que essa teoria está errada". Logo tratei de escrever tudo que havia acontecido hoje e, agora, irei descrever. O beijo que tanto quis, sem ao menos o conhecer.

'Ambos olhavam fixamente um pro outro. Ela... já havia experimentado e muito bem praticado. Ele... era sua primeira vez, em 20 anos. Ele a encarava com um leve sorriso, com incerteza, ansiedade, desejo. Hora ou outra olhava seus lábios, reparando o tamanho e os batimentos do seu coração que estava disparado. Sentia a respiração dela, o perfume, o cheiro do shampoo e do creme que ela usava. Via o brilho em seus olhos, a doçura em sua expressão facial que o convidava para beijá-la não só na boca, mas no rosto inteiro. Bochechas, nariz, queixo, testa, olhos. Foi vagarosamente se aproximando, enquanto ela fechava os olhos quase na mesma velocidade. Um gesto que representava para ela, a entrega do seu ser. Ele, milésimos antes de tocar seus lábios com o dela, olhava mais uma vez para certificasse da distância. Seu coração parecia uma caixa-de-som. Sentiu mais ainda a respiração quando, finalmente, a beijou. Seus lábios tremiam de nervosismo, medo, emoção. O desejo continuava puro, diferente daquelas pessoas que se devoram. Ele enebriava-se com a moleza dos lábios, e do choque suave que a língua produzia ao entrar em contato com a dela. A temperatura de ambos havia aumentando mesmo sem se encostarem. Sentia leves arrepios nos braços, no pescoço, nos pés, e até na cabeça. Seu coração havia se acalmado como o mar que de manhã é turbulento e a tarde tranquilo. Queimava. Sentia calafrios na espinha. Esquecera por completo o mundo a sua volta. Alternava os movimentos levemente, virando a cabeça, abrindo e fechando a boca. As vezes brincava pegando somente o lábio inferior ou superior e dando uma leve puxada. Dando pequenas mordidas. Roçando o nariz com o dela. A respiração de ambos parecia uma. Os batimentos do coração também. Em algum momento, talvez, os dois haviam se tornado um. Ainda que seus corpos tivessem afastados e seus lábios se soltassem. Naquele instante, a certeza de que um daria a vida ao outro ou, pelo menos, ele daria a vida para salvá-la, caso fosse necessário, emanava uma paz. Emanava amor. Seria imprudente dizer, seja o que estivesse ao lado deles, uma flor fechada ou uma pessoa mal-humorada, se transformaria pela mágica que aquele momento possuía. Que tudo daria certo, que bastava acreditar. E, quando os dois acabaram aquele beijo que havia durado horas ou dias para o rapaz, que estava atordoado e desconcertado que até perdera a noção do tempo. Eu acordei.'

Veja só! Que auto-sabotagem, ter que criar isso através de uma ilusão... Até que não foi tão mau, para quem nunca fez isso. Ou talvez, enquanto visualizava, imaginava, pensava e sentia isso em minha cabeça, você estivesse me beijando, Deus. Pois para quem dizia que iria morrer sem esse prazer, já não há razões para continuar a viver. Pois já consegui tudo que um dia desejei. E essa é minha despedida. Mais tarde eu o encontro. Obrigado"

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Relacionados:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...